sábado, 5 de fevereiro de 2011

Um gênero com personalidade!

(...) Assim são as páginas da vida,
como dizia meu filho quando fazia versos,
e acrescentava que as páginas vão
passando umas sobre as outras,
esquecidas apenas lidas.

(Machado de Assis)


Um gênero que situa-se entre o jornalismo e a literatura. Inspiração nos acontecimentos diários. Traz as pessoas comuns como personagens, sem nenhum aprofundamente psicológico. Essas são algumas das características da crônica. Particularmente, minha paixão.

Derivado do latim chronica, a palavra crônica significava "um breve registro de eventos". Hoje, ela é utilizada, principalmente, em jornais, porém, o que a difere do texto jornalístico é que esse se limita a transmitir o acontecimento tal como ele é, e já naquele o fato diário ganha um toque de ficção, fantasia e criticismo.
Em geral, a crônica é escrita em primeira pessoa, para que o leitor sinta o cronista dialogando com ele. Quando o cronista seleciona as palavras que vai usar e desenvolve seu estilo, ele mostra ao leitor sua visão de mundo. Em relação à linguagem, os textos são simples e espontâneos. Para concluir sobre o que é a crônica, posso citar as palavras de Artur da Távola: "É o samba da literatura. É, ao mesmo tempo, a poesia, o ensaio, a crítica, o registro histórico, o factual, o apontamento, a filosofia, o flagrante, o miniconto, o retrato, o testemunho, a opinião, o depoimento, a análise, a interpretação, o humor. Tudo isso ela contém, polivalente direta e simples, como um samba. Profunda como a sinfonia.".

Listei, dentre os vários cronistas brasileiros, os principais - e meus favoritos também. Com exceção do escritor Rubem Braga, todos os outros escrevem, ou escreveram, além de crônicas, contos, ensaios, romances etc. Digo isso porque destaquei as principais obras de cada autor, independente de serem crônicas ou não. Vamos ao que interessa, então:

ARNALDO JABOR

 "As mulheres sofrem mais com o mal do mundo. Carregam o fardo da dor histórica e social, por serem mais sensíveis e mais fracas. Os homens, por serem fálicos, escamoteiam a depressão e a consciência da morte com obsessões bélicas, financeiras ou políticas. As mulheres aguentam firmes a dor incompreendida. O mundo está tão indeterminado que está ficando feminino, como uma mulher perdida: nunca está onde pensa estar. O mundo determinista se fracionou globalmente, como a mulher. Mas não é o mundo delicado, romântico e fértil da mulher; é um mundo feminino comandado por homens boçais. Talvez seja melhor dizer um mundo travesti. O mundo hoje é travesti."

(Trecho da crônica "O mundo de hoje é travesti")

Arnaldo Jabor é um carioca nascido em 1940. É cineasta, crítico e escritor brasileiro. Em 1995 estreou na TV Globo e levou para o Jornal Nacional e para o Bom Dia Brasil, o estilo irônico com que comenta os fatos da sociedade brasileira. Jabor faz parte daquilo que se chama crônica jornalística. Ele retrata o dia a dia dos brasileiros com toques apimentados, expondo a verdadeira situação em que todos se encontram e criticando aqueles que merecem.

Principais obras:

Amor é prosa, sexo é poesia (2004)
Pornopolítica (2006)
Eu sei que vou te amar (2007)


MARTHA MEDEIROS



"Que tenhamos a sorte de esbarrar com seres habitados e ao mesmo tempo inofensivos, cujo único mal que possam fazer é nos fascinar e nos manter acordados uma madrugada inteira. Ou a vida inteira, o que é melhor ainda."

(Trecho da crônica "Pessoas habitadas")



A gaúcha Martha Medeiros fez sua carreira na área de Publicidade e Propaganda. A literatura fez com que a autora deixasse de lado esse caminho e começasse a colaborar com crônicas para o jornal Zero Hora, além de escrever para a revista Época. Apesar de escrever no jornal, seus textos retratam, principalmente, as pessoas e suas personalidades.

Principais obras:

Strip-Tease (1985)
Persona non grata (1991)
Coisas da vida (1995)
Trem-Bala (1999)
Divã (2002) - o livro deu origem a uma peça e a um filme, ambos estrelados pela atriz Lília Cabral.
Esquisita como eu (2004) - Infantil
Doidas e santas (2008)
Fora de mim (2010)


LUIS FERNANDO VERÍSSIMO



"Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto a um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda."

(Trecho da crônica "O gigolô das palavras")

É do Rio Grande do Sul  que vem mais um cronista: Luis Fernando Veríssimo. Filho do grande escritor Érico Veríssimo, o criador do Analista de Bagé escreve crônicas humorísticas. Eu o considero o melhor nessa área. Quem nunca leu seus textos, está perdendo histórias riquíssimas e muito bem-humoradas. Veríssimo escreve sobre a sociedade e suas faces, mas sempre criticando-a com um pouco de humor.

Principais obras:

Ed Mort e Outras histórias (1979)
Sexo na cabeça (1980)
O analista de Bagé (1981)
Gigolô das palvras (1982)
A mulher do Silva (1984)
A mãe do Freud (1985)
Comédias da vida privada (1994)
Novas comédias da vida privada (1996)
Comédias para se ler na escola (2000)
As mentiras que os homens contam (2000)


MACHADO DE ASSIS



"Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Quer calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjenturas acerca do sol e da lua, outra sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a a crônica."

(Trecho da crônica "O nascimento da crônica")


Nosso querido Machadinho (1839-1908) é o representante-mor da crônica brasileira. No fragmento acima, ele escreveu sobre a crônica, gênero que lhe rendeu brilhantes colunas nos jornais em que trabalhou. Machado de Assis publicou mais de 600 crônicas, que podem ser encontradas em livros em que outros autores reuniram as principais e publicaram após a morte do autor paulista.

Principais obras:

Ressurreição (1872)
A mão e a luva (1872)
Helena (1876)
Mémórias póstumas de Brás Cubas (1881)
Quincas Borba (1881)
Dom Casmurro (1889)
Esaú e Jacó (1904)
Memorial de Aires (1908)
O alienista
Uns braços


RUBEM BRAGA


"Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com  um bem-querer tão certo e limpo, tão fundos e bom que parece que estou te embalando dentro de mim."

(Trecho da crônica "O Desaparecido")



Rubem Braga, o maior cronista brasileiro. Adoro suas crônicas que retratam o simples e que retratam os sentimentos, como a paixão e a saudade. Ou aquelas em que fala sobre sua vida em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Braga consegue prender a atenção de qualquer pessoa que o leia pela primeira vez e sempre encanta seus eternos fãs.

Principais obras:

O conde e o passarinho (1936)
O Morro do Isolamento (1944)
Ai de ti, Copacabana (1960)
Crõnicas de guerra - Com a FEB na Itália (1964)
A traição das elegantes (1967)
Crônicas do Espírito Santo (1984)
As boas coisas da vida (1988)
O verão e as mulheres (1990)
200 crônicas escolhidas
Recado de primavera


MAICON TENFEN


"Ninguém conhece o passado do mordomo, por isso ele nos surpreende a cada vez que tira suas luvas de pelica. Capaz de recitar Shakespeare de cabo a rabo e de dar palpites decisivos sobre o mercado de ações, ao menor sinal de perigo abandona seus trejeitos afeminados e se revela um mestre de Kung Fu. Embora seja notório que nunca teve namorada, conhece profundamente os gostos e as fraquezas das mulheres. O patrãozinho ricoa azarado sempre lucra com seus conselhos.
O mordomo é, antes de tudo, um forte."

(Trecho da crônica "A culpa é do mordomo")

Nessa lista não podia faltar, é claro, o escritor Maicon Tenfen. Nascido em Ituporanga (SC), Maicon é professor  de Literatura Brasileira na Universidade Regional de Blumenau - FURB. Seus livros publicados são, em sua maioria, romances e contos, mas ele faz uso da crônica em sua coluna diária no Jornal de Santa Catarina e no Diário Catarinense.O cotidiano, a literatura, a política... Tudo é assunto para uma boa crônica. Esse escritor com certeza deixa sua opinião bem clara em tudo o que escreve. Não tem medo de criticar e usa seus textos inteligentes para fazer todos refletirem.
OBS.: Devo admitir: leio suas crônicas todos os dias em seu blog. Acompanho seu trabalho a muito tempo e adoro sua forma de escrever e expor suas opiniões. Li quase todos os seus livros e recomendo-os a qualquer um. Leiam! Não se arrependerão, tenho certeza.

Principais obras:

Entre a brisa e a madrugada (1996)
Um cadáver na banheira (1997)
O segredo da montanha (1998)
O impostor (1999)
O filho do Feliciano (2000)
Mistérios, mentiras e trovões (2002)
Mania de grandeza e outras crônicas (2005)
A culpa é do mordomo e outras crônicas (2006)
Casa Velha Night Club (2009)
A galeria Wilson (2010)

É bom ao acordar, ou ao longo do dia, ler uma crônica e refletir sobre o que ela fala e até mesmo rir com ela. Por serem textos simples, nos dão sempre uma vontade de "quero mais". Eu gosto muito e queria compartilhar com vocês esse meu gosto literário. Espero que todos possam ler uma boa crônica e começar a apreciar esse gênero tão antigo.

Até a próxima.

Um beijinho em alemão... Kuss.

2 comentários:

  1. Amiiga! Amei o post, a crônica é uma forma literária muito gostosa né? Até porque eu sou um pouco ansiosa, então é bom saber logo o fim da história e tirar algo dela!
    Adoro crônicas, não tenho todo o seu conhecimento, mas eu adoro! E acho Luis Fernando Veríssimo um DIVO!
    Parabéns, sempre.

    Beijosmil <3

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  2. Jabor, Martha Medeiros,Veríssimo, Machadinho *-* Quanta coisa ÓTIMA, junta! O que, além da Literatura, nos proporciona isso? E faço minhas as palavras da Thais, mesmo sem ter o seu conhecimento, a crônica é um dos gêneros mais delicinhas de se ler, eu adoro!

    Lindo post, parabéns! ♥

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