quarta-feira, 4 de maio de 2011

A favor dos olhos de ressaca!

"Ler é viajar!"

Essa frase é antiga e já foi usada em inúmeros livros, revistas, panfletos etc.
Mas você, caro leitor, já viajou enquanto lia?
Nem todos conseguem. Para conseguir viver outra realidade enquanto está devorando as páginas de um livro, a pessoa precisa se entregar totalmente às palavras. Para viajar com uma obra literária você precisa sentir o que as personagens sentem; gostar do mocinho e odiar o vilão (ou ao contrário); precisa viver a história. Somente assim o leitor terá uma das melhores sensações que existem. Mergulhando na história, você é o único que poderá discutir fervorosamente o enredo em questão.

Há uma obra em especial, que eu já li muitas vezes,  e que me faz viajar a cada linha que meus olhos transcorrem: Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Essa obra vem sendo alvo de discussão desde o ano em que foi publicada, em 1899.
Por ter grande interesse na história, li também a recriação literária do autor Fernando Sabino, em que ele faz uma leitura fiel do romance, mas sem o narrador Dom Casmurro e cujo título é Amor de Capitu; além da obra Enquanto isso em Dom Casmurro, do escritor blumenauense José Endoença Martins, em que ele traz a personagem machadiana Capitu para um panorama moderno, isto é, a moça em Blumenau no ano de 1992, em plena moda Sula Miranda. E ainda vi, em DVD, a adaptação para minissérie que a Rede Globo produziu. Um belo trabalho artístico, embalado pela música Elephant Gun, do Beirut.




Tendo essas três obras de apoio, mais o trabalho visual, utilizo o meu espaço no Safra para defender Dona Capitolina!

Digo, primeiramente, que defendo Capitu porque todas as mulheres são Capitus. Para entendermos isso melhor, porém, temos que traçar um perfil superficial da nossa formosa moça.


Capitu era bela. Desde moça sempre se preocupou com sua imagem. Possuía olhos belíssimos, que foram definidos por José Dias como "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" e, em outro momento do livro, como "olhos de ressaca". Era boa filha, sempre ajudando nas atividades domésticas; moça educada e prestativa, indo sempre visitar Dona Glória e fazer-lhe companhia nos momentos de ausência de Bentinho; frequentava a Igreja e era bem vista pelos olhos do Padre Cabral. Enfim, era uma moça como qualquer outra: curiosa, esperta, sorridente, sem muitas preocupações.

Quando mulher, suas qualidades somente aumentaram. E as que já existiam, mais fortalecidas ficaram. Nesse momento, ela assumiu mais dois papéis: mãe e esposa. Comportava-se finamente ao lado de se marido nos jantares, no teatro, na ópera e nos bailes. Cuidava de seu filho, Ezequiel, como sendo seu maior tesouro. Visitava sua sogra, que encontrava-se com mais idade. Cumpria suas obrigações dignamente.

Capitu era independente, tinha opinião sobre qualquer assunto, era atrevida, não sentia vergonha em perguntar sobre tudo o que a interessava. Era alegre, gostava de chamar atenção por onde passava, ainda mais depois de casada.

"Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava do resto do mundo também." (Dom Casmurro, página 141)

Capitu era assim, esse tipo de mulher. Aos meus olhos, uma moça como qualquer outra. E apesar de ter sido criada por Machado de Assis no século XIX, seus modos de ser e agir assemelham-se com os modos das mulheres contemporâneas.

As mulheres atuais também são lindíssimas, gostam de manter a aparência sempre agradável aos olhos alheios, querem sempre ser  centro das atenções. Na época de Capitu, ela conseguia isso com facilidade, pois era uma mulher que sentia-se confiante com sua aparência, ao ponto de transparecer isso aos demais  e de fazer com que todos a olhassem, percebessem sua presença. Hoje, somos muitas no mundo, entretanto, todas conseguimos nosso lugar de destaque. Há aquelas que assumem cargos de destaque, como o de presidente de um país ou de uma mega empresa; há aquelas que utilizam seus dons artísticos e viram ícones da música, da literatura ou do teatro; e há aquelas que destacam-se por serem ótimas mães, avós, irmãs, filhas.

Como se vê, Capitolina não diferenciava-se das mulheres de hoje, nem das que vieram antes dela.
O problema todo foi Bentinho. Ele achava que possuía Capitu e que nenhum outro olhar poderia recair sobre ela, a não ser o seu. O ciúme cegou Bento Santiago por completo, sendo que todas as situações ficavam distorcidas para ele. Coitado de Escobar... Era bom moço, dedicado ao comércio, e mesmo depois de morto foi acusado de traidor.
Devido á cegueira do marido de Capitu, até hoje a moça é acusada de adultério.
OBS.: isso que eu nem vou comentar sobre a hipótese de Bentinho ser gay.

Como há Capitus no mundo de hoje, há Bentinhos também. Homens que não aprenderam o sentido de amor e confiar em uma mulher, homens que deveriam ler todos os dias esse trecho de Dom Casmurro:

"Não tenhas ciúmes da tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti."

Infelizmente, o ódio cega e forma nuvens escuras na mente de um homem. Isso aconteceu com Bentinho e acontece diariamente com todos os homens. Eles têm ao seu lado mulheres que estão aos seus lado  por os amarem, mas por não entenderem o sentimento puro e verdadeiro que é o amor,  pensam que suas mulheres são capazes de trocá-los por um brilhante qualquer.

Com tudo isso quero dizer que Capitu foi mal falada por todos esses anor, tida como a mulher que teve um caso com o melhor amigo do seu marido. Enganam-se, todos! Julgam-na por ser mulher, simplesmente.

A única coisa que ela queria era ser reconhecida como aquela boa moça que cuidou de seu pai quando sua mãe faleceu; aquela que esperou Bentinho por tanto tempo para depois entregar-se nos braços dele e consumar o amor da adolescência; aquela que fazia companhia para D. Glória na ausência do filho; a boa amiga que cuidou de Sancha no momento de sua doença; a que se preocupou com o bem-estar do marido acima de tudo, e que até guardou 10 libras esterlinas ao invés de gastar com sapatos; aquele que teve um filho e cuidou dele como uma leoa. Capitolina gostaria de ser vista como aquela que sempre amou Bento Santiago e que seria incapaz de trair esse amor de tantos anos.

Homens tolos esses que têm a companhia de uma Capitu e não valorizam. E tudo porque sentem-se inseguros  ao lado delas.

Capitu sou eu, sou você, somos todas! Somos herdeiras da menina com olhos de ressaca, aquela que sacrificou seus anos de juventude para esperar pelo homem que amava, que morreu acreditando que seu marido, apesar de todas as maldades que fez contra ela, era um homem bom.

Capitu só queria viver. E ela sentia-se viva ao lado de Bentinho.
Ele tirou-lhe seu único motivo para respirar.


Capitolina não traiu Bentinho e ponto final.


Deixo para vocês esse vídeo que traz imagens da linda Capitu, embalado pela música estonteante do Beirut.



Kiss :*

2 comentários:

  1. Quem leu em primeira mão esse post digníssimo? Quem? Quem? EEEEEU *-*

    Amei, acho que sua visão de mundo é bem real, não floreia as coisas objetivas, mas admira sa coisas belas. Eu adoro teu jeito de escreve! E né, Capitu é digníssima. Concordo com você *-*

    Belo post, como sempre. Te amo <3

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  2. Amiga, parabéns!

    Trouxesse a digna Capitu aos dias de hoje. Realmente, muitas de nós somos Capitus e não dos damos conta.
    Defendesse a "classe", mesmo que a primeira vista não pareça.

    Adoro teu jeito de escrever.

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